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Rio2C e o conteúdo em um mundo complexo

O que Édipo, que matou o próprio pai e fez sexo com a própria mãe, teria a dizer se visse Game of Thrones?


24 de abril de 2019 - 16h48

Sou jornalista e, depois de uns anos em um punhado de redações, me mudei para as agências de publicidade, onde cheguei há uns 15 anos. Sem querer, acabei testemunhando bem de perto as duas áreas virarem de cabeça para baixo.

Cheguei ao Rio2C para ver as discussões sobre conteúdo. Conteúdo não é um tema estranho para mim e nem para ninguém. Todo mundo consome, produz e distribui conteúdo. A maioria de nós não é o James Cameron, mas cá estou eu produzindo este conteúdo que você está lendo, então não dá para fingir que o assunto não é conosco. Mas vim para o Rio2C em busca de gente mais parecida com o James Cameron do que comigo, o que é um cacoete dos velhos tempos, quando havia uma diferença mais profunda entre mim e ele. James Cameron é apenas mais obsessivo (ou talvez um obsessivo mais focado) do que nós. Estou aqui em busca dos obsessivos mais focados que eu.

Não sei mais o que esperar de uma grande conversa sobre conteúdo. Tenho a sensação de que, de certa maneira, é uma volta ao passado. No mundo do conteúdo, há uma estabilidade que desacostumei a ver. Os formatos são fixos, com nomes pré-definidos. Sabemos diferenciá-los e rotulá-los. Um filme é um filme – tem uma história fechada e dura mais ou menos duas horas. Uma série é uma série, e há tipos de séries. Sabemos quem é o mocinho e quem é o vilão. É incrível que o espectador médio de séries saiba explicar o que é uma “série antológica”, porque o rótulo é tão preciso que um jargão chega ao público. Jamais uma série será confundida com uma novela. Um game não é um livro e, intuitivamente, o público consegue chegar a um consenso do que é um game sensacional e quais livros são bacanas. As exceções são notáveis justamente por serem exceções, mas precisam dos padrões para se ancorar e se destacar.

O mundo é fluido, líquido, híbrido, e o conteúdo retrata isso, mas os formatos são definitivamente bastante estáveis. Quer dizer: Pabllo Vitar pode ser superempoderada, mas suas músicas não vão muito além dos três minutos. No meu primeiro painel no Rio2C, vi o Ted Sarandos, da Netflix, falar que as séries no streaming podem ter episódios que variam de duração, e que isso muda muita coisa. Sim, até concordo, mas veja bem: uma série ainda segue sendo uma série. O streaming mudou tudo, exceto que as coisas continuam mais ou menos iguais.

De certa forma, para quem viveu tanta mudança, isso é um alento.

E quando percebo isso é que me ocorre uma hipótese do motivo por que os conteúdos ganharam tanta força nos últimos tempos: as histórias nos trazem estabilidade. Num mundo caótico, as histórias nos conectam com aquilo que é mais profundamente humano em nós. Suas raízes vão fundo até a dramaturgia grega. O que Édipo, que matou o próprio pai e fez sexo com a própria mãe, teria a dizer se visse Game of Thrones?

Tenho até domingo para responder essa pergunta. Se eu conseguir, já vou embora feliz

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