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E agora, o que vamos fazer?

Há um debate fundamental a respeito de espaços que foram conquistados e que é essencial que permaneçam e possam continuar crescendo


27 de abril de 2019 - 19h13

O Rio2C chega ao final deixando claro que temos um grande paradoxo para enfrentar a partir desta segunda-feira

De um lado, temos um cenário muito promissor para a indústria criativa. Há uma oferta rica e empolgante de novas séries para serem viabilizadas por velhos e novos players. Há novos filmes, nacionais e estrangeiros, prontos para serem lançados. Os festivais de música esgotam ingressos com meses de antecedência. Os games conseguiram encontrar, nos e-sports, uma maneira de se criar uma relação mais direta com patrocinadores. Enfim, há um ecossistema que nos últimos anos se preparou para esse momento, com capacitação de equipes, com profissionalização dos processos, com ampliação de espaços e canais.

Foi um pouco do que vimos no evento: conteúdos para todo mundo, dos mais sofisticados aos mais populares, dos que custam milhões, dos que são feitos por um celular. É uma mistura fundamental num país que tem mais de 200 milhões de pessoas e um abismo imenso entre as classes sociais.

Ok, não temos Hollywood nem Bollywood, mas, para quem viu o desmantelamento completo da indústria que foi realizado pelo governo Collor, nos estertores da década de 1980, ver a efervescência a que chegamos é impressionante, e o Rio2C foi um palco que nos permitiu enxergar um pouco de toda essa fantástica produção.

E a contradição justamente está aí: os mesmos produtores que estão empenhados em fazer acelerar a indústria estão preocupados com movimentos perigosos feitos no país. Encabeçam as apreensões as ameaças ao Sistema S e à Ancine, o fim do Ministério da Cultura e os ajustes da Lei Rouanet. Mas o problema vai além: de repente, parte da população passou a achar que a indústria criativa é uma sanguessuga de dinheiro público. E essa opinião torta cria respaldo (e até pressão) de parte da população para que surjam novas medidas contra o mercado criativo. Para piorar, há uma crise econômica que não dá sinais de arrefecer.

De um modo geral, artistas e criadores estão olhando perplexos para a situação, e para alguns deles a palavra “preocupação” é um eufemismo. À boca pequena, conversei com algumas pessoas que disseram que estão esperando para ver como tudo vai ficar antes de começar um novo projeto ou investir na continuidade do que já vinha sendo feito.

A questão que trago para o desfecho do Rio2C é: o que cada um de nós vai fazer a partir de agora?

A pergunta é todo mundo. E isso inclui você, sim, você, a pessoa que está lendo.

Na manhã de sábado, o Rio2C serviu de palco para a estreia do documentário Amazônia – O Despertar da Florestania, de Cristiane Torloni. Logo no começo, o filme mostra a importância que a mobilização dos artistas teve para as Diretas Já. Aparecem nomes como Belchior, Milton Nascimento e, claro, Fafá de Belém.

Será que não é hora de os artistas voltarem a se mobilizar para não perder essa indústria criativa conquistada às custas de tanto trabalho? Onde estão os artistas? O que eles estão fazendo?

Há um debate fundamental a respeito de espaços que foram conquistados e que é essencial que permaneçam e possam continuar crescendo. Na sexta à tarde, vi três painéis sobre música que vem das regiões mais pobres dos centros urbanos. No primeiro, o rapper Dughettu, o consultor Pablo Ramoz e Guti Fraga, do Nós do Morro – mediados por Luana Génot –, focaram nos artistas de periferia que ainda estão na luta por um espaço de evidência. Alguns desses artistas estarão no Rock In Rio, no novo Palco Favela. Em seguida, o painel “A Narrativa do Funk”, com Ludmilla e os DJs FP e Pedro Sampaio, tratou dos últimos movimentos do funk carioca. Acabou em clima de baile – mais uns 15 minutos e a plateia iria até o chão. Por fim, Kondzilla contou sua trajetória magnífica, que foi de canal de funk a uma holding de entretenimento.

Será que ainda preciso dizer que esses artistas teriam uma vida muito pior se não fossem esses espaços conquistados com a música? Que a miséria da favela ainda é imensa, mas que a arte ajuda a amenizá-la um pouco, para algumas pessoas, e que isso tem que ser louvado? E aí? Esses espaços correm risco? Como? Quais? Se correm, como evitar? Alguém mais está disposto a investir neles?

Sei que muita gente, de todas as classes, batalhou duro para chegar aonde está. Um cineasta, um roteirista, um músico que nasceu na classe A também ralou, mesmo com mais condições financeiras, psicológicas, sociais etc., porque todo mundo há de concordar que ser artista no Brasil não é moleza. Acho que muita gente que trabalhou muito achou que agora seria a hora de colher os frutos desse trabalho. Mas as peças do tabuleiro se mexeram, e agora me parece importante ajudar no rearranjo do contexto.

Eu sei que nas últimas décadas conseguimos formar equipes capazes de fazer produções extraordinárias. Mas será que vamos conseguir formar novos talentos? Será que jovens terão vontade ou base educacional para serem bons roteiristas, compositores, escritores e diretores? Qual é o impacto nas produtoras se houver uma redução no interesse dos jovens em produzir audiovisual? Qual é o impacto disso para o mercado publicitário, para as TVs, para os players do vídeo digital?

Será que conseguiremos nos unir para mostrar que os cortes que parecem ser na cultura atingem as indústrias criativas como um todo, de uma maneira que ninguém ainda sabe estimar como? Ou a responsabilidade de investimento para a manutenção da indústria vai ficar todo com a iniciativa privada?

Se for assim, as agências, os veículos, as produtoras e as empresas vão fazer suas escolhas de modo que esses investimentos sejam eficazes no curto prazo e ajudem na manutenção da indústria no longo prazo? Como ficam as verbas cada vez mais enxutas, o foco em performance e resultado imediato, diante de um cenário assim?

Não tenho respostas e, me arrisco a dizer, ninguém tem.

Só sei que essas questões precisam ser discutidas por todos nós. E logo.

Vamos começar?

Até 2020, Rio2C.

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