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Por que as pessoas gostam tanto de histórias de crimes?

Narrativas de assassinatos, crimes em série e golpes atraem a audiência e investimentos dos produtores de conteúdo, mas exigem verossimilhança e adaptações para serem, também, produtos de entretenimento

Bárbara Sacchitiello
28 de abril de 2022 - 17h39

Crime da família von Richthofen originou duas produções do cinema nacional (Crédito: Divulgação)

O assassinato dos pais de Suzane von Richthofen pela própria filha. A morte da garotinha Isabella Nardoni. O desaparecimento do menino Evandro, no início da década de 1990. Além de terem chocado a população e gerado grande repercussão na mídia, esses três casos reais têm em comum o fato de terem se transformado – ou estarem em fase de virar – obras de audiovisual.

Os fortes sentimentos despertados pelas tragédias reais vem tendo cada vez mais apelo no ambiente da produção. Seja no cinema, no formato de séries ou até mesmo em podcasts, as histórias de crimes acabaram criando um filão específico na indústria, o true crime, que vem despertando mais atenção e investimentos de toda a cadeia de produção.

Transpor casos muitas vezes trágicos e tristes para a ficção, no entanto, é uma tarefa que está longe de ser simples. Além da verossimilhança aos fatos, aquela narrativa também deve, de alguma forma, atender aos princípios do entretenimento, com bom roteiro e personagens interessantes, para seduzir a audiência em um universo de tantas opções de consumo.

A criminóloga e escritora Ilana Casoy, que dedicou a carreira a investigar o comportamento de serial killers, e Branca Vianna, presidente da Rádio Novelo, responsável pelo podcast Praia dos Ossos, que conta a história do assassinato da socialite Ângela Diniz, ocorrido em 1976, participaram da Rio2C para falar sobre o apelo das narrativas de crimes e os desafios de fazer com que casos trágicos tenham apelo para a audiência.

Glamourização de assassinos?

Ilana Casoy, autora da obra Bom Dia, Verônica, que inspirou a série homônima da Netflix, que em breve estreará a segunda temporada, comentou a respeito de algumas críticas feitas ao gênero true crime, que apontam que, em alguns casos, as produções podem estimular a glorificação das figuras dos criminosos. “Quem glamouriza não é a obra, mas o indivíduo que a assiste. É preciso que a gente entenda primeiro a sociedade para identificar a forma como ela enxerga aquela figura. Ninguém ficará violento porque assistiu Rambo 400 vezes. O mesmo vale no sentido inverso: a pessoa pode ter lido a Bíblia inteira e ainda assim cometer um crime”, declarou a criminóloga, que participou de diversos projetos de transposição de histórias reais para o universo do audiovisual.

Ilana destacou que um elemento primordial para este tipo de obra é a verossimilhança. Quem escreve qualquer coisa relacionada à realidade, diz ela, tem que se preocupar ainda mais com a verdade daquilo que está construindo. Nos Estados Unidos, inclusive, as séries e produções baseadas em histórias originais de crimes chegaram até a mudar o comportamento e atuação dos júris, em um movimento chamado de ‘efeito SCI’, recordou. 

Mas é importante, contudo, que as adaptações respeitem o formato de cada obra para que aquele conteúdo, além de representar a realidade, tenha sentido. “Escrevo em três diferentes linguagens. Uma é a literatura, para  a qual conto com a imaginação e interpretação do leitor. A segunda é o audiovisual, em que as imagens ajudam a contar uma história. E também estou trabalhando em uma terceira linguagem, que é uma série de podcasts sobre mulheres e justiça, para a qual é necessária outra narrativa. Não se pode ler um processo criminal e achar que aquilo será um conteúdo de um podcast”, exemplifica Ilana, que participou, entre outras obras, dos filmes O Menino que Matou Meus Pais e A Menina que Matou os Pais, a respeito do caso de Suzane von Richthofen. 

Olhar feminino

Branca Vianna contou que a ideia de fazer um podcast baseado na história da morte da socialite Ângela Diniz veio a partir da observação de que quase ninguém sabia, de fato, sobre o crime ocorrido na década de 1970 e as poucas que tinham alguma memória sobre o assunto não se recordavam da figura da vítima. “Começamos a querer descobrir quem era essa mulher, de quem todo mundo, na época, viu o rosto, mas ninguém conhecia a personalidade, de fato”, contou ela, a respeito do início do projeto na Rádio Novelo. O podcast, inclusive, será transformado em série pela Conspiração, que adquiriu os direitos audiovisuais do projeto.

Branca também falou sobre a importância social de apresentar histórias que mostrem situações reais vividas por diversas mulheres, que podem ser vítimas de diferentes típicos de crimes. “Lembro de uma das vítimas que apareceu do documentário O Golpista do Tinder, que vivia na Noruega. Ela disse que cresceu tendo A Bela e a Fera como seu ideal de história romântica. A Bela e a Fera é a história de um monstro que sequestra uma moça e não a deixa sair até que ela se apaixone por ele. Essa é a história que ela foi condicionada a querer para a vida dela”, contextualizou.

Crime sem sangue

Branca confessou ser fã das narrativas de golpes, que também vêm se popularizando em produções feitas pelas plataformas internacionais de streaming. Segundo ela, essas séries, embora não tenham, na maior parte dos casos, vítimas de violência, também se enquadram no gênero true crime por trazerem casos em que as pessoas têm as vidas, as finanças, a reputação e toda sua estrutura arrasada por outrem.

Ela acredita que esse tipo de narrativa tende a ganhar mais espaço e torce para que, dentro do True crime, as histórias de espionagem também passem a ser mais exploradas. Na verdade, embora sejam narrativas de crimes, o importante é que a produção seja capaz de gerar entretenimento e interesse. E é possível fazer isso sem ser apelativo ou sensacionalista”, defende.

Ilana acredita que o segmento continuará gerando interesse do público porque é alimentado pela realidade. Ela acredita, também, que é possível estender o gênero para outros aspectos. “Em vez de falar apenas sobre crime, é preciso abrir para as outras questões que estão em torno disso: o sistema de justiça, a mídia e as vítimas desse sistema, que não apenas, propriamente, as vítimas dos crimes”, sugere.

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